Por Marcos Sawaya Jank, especialista em questões globais do agronegócio, para a Folha de São Paulo (edição de 07/01/17).
Num mundo em desglobalização, precisamos saber quais são os maiores interesses de nossos grandes parceiros, com quem e como vamos jogar.
Nesse contexto, a China é hoje o país com maior dependência e vontade de incrementar as relações com o Brasil. Para entender os seus mais recentes movimentos no país, vale ler o relatório “Investimentos Chineses no Brasil 2014-2015”, publicado em novembro pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
A internacionalização das empresas chinesas é evidente, com vultosas aquisições nos setores de tecnologia, energia, agronegócio, financeiro, imobiliário, automotivo, eletrônico e de entretenimento. China e Hong Kong já investem globalmente mais de US$ 250 bilhões por ano, ou cerca de 20% do total mundial. No caso do Brasil, o interesse estratégico chinês de longo prazo concentra-se basicamente em três áreas: energia, agronegócio e infraestrutura.
No início, a China tentou investir direto em recursos naturais – terras agrícolas e minérios –, mas a estratégia não deu certo em razão das restrições impostas pelo governo brasileiro. Mas em 2014 começa uma nova fase, na qual a China passa a se interessar não mais pela produção primária, mas pelo controle das cadeias de suprimento das principais commodities que ela demanda, a chamada “originação”.
Na área de genética vegetal e defensivos, a ChemChina adquire a gigante Syngenta, com grande presença no Brasil. Na área de grãos, açúcar e terminais portuários, a estatal COFCO compra a Nidera e a Noble Agri. Recentemente, o grupo privado Shanghai Pengxin adquire a Fiagril, empresa mato-grossense de insumos, grãos e logística.
Recentemente, surgem oportunidades para adquirir empresas-chave em setores afetados pela crise econômica e/ou por políticas regulatórias equivocadas. O caso mais notório é o da geração e transmissão de energia elétrica, com a aquisição da Cesp, de Furnas, da Eletronorte e da Duke Energy pelas estatais chinesas State Grid e China Three Gorges (CTG). Não resta dúvida de que a Operação Lava Jato vai gerar grandes oportunidades para os chineses adquirirem empresas de construção civil e infraestrutura no Brasil.
São imensos os interesses chineses no Brasil, e hoje há muitas oportunidades para parcerias e aquisições. Mas erra quem pensa que esses interesses são comandados por uma estrutura hierárquica única e uniforme.
No excelente livro “The Political Economy of China-Latin America Relations in The New Millenium”, recém-lançado nos Estados Unidos, Margaret Myers e Carol Wise utilizam a teoria agente-principal para explicar o funcionamento do modelo de investimento. A China tem um único ator, que são os princípios e objetivos definidos pelo Partido e pelo governo. Mas a execução das diretrizes fica a cargo de múltiplos agentes – as companhias chinesas estatais e privadas –, que atuam com diferentes motivações e interesses, de forma competitiva e descoordenada. A isso se somam as imensas diferenças linguísticas, culturais e de identidade entre a China e a América Latina.
A expressão “negócio da China” tem sido usada sempre que alguém obtém grande vantagem em um acordo. O termo remonta aos lucros fabulosos que os comerciantes europeus obtinham com a venda de especiarias chinesas há mais de cinco séculos. Mas hoje a situação se inverteu e é o mundo que está oferecendo grandes “negócios para a China”.
Em suma, a China sabe o que quer do Brasil, agora e daqui a 50 anos. E nós, o que queremos dela? Vamos reduzir o nosso imediatismo doentio e olhar o longo prazo? Vamos nos organizar direito, com o governo e o setor privado refletindo e atuando em conjunto?
Adendo MilkPoint:
Em dezembro de 2016, o MilkPoint foi convidado para participar de um evento de comemoração pelos 60 anos do Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural). Na ocasião, também foi lançado o Pedeag 3 (Plano Estratégico da Agricultura Capixaba 2015-2030). O encontro foi promovido pelo Governo do Espírito Santo, por meio da Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) e do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).
Um dos palestrantes convidados foi Waldemar Carneiro Leão, ex-embaixador do Brasil na China. Segundo ele, de 2000 a 2015, o Brasil aumentou em dez vezes o volume de produtos agrícolas exportados para os chineses. "A China é uma ótima oportunidade para o Brasil, mas, temos que tratar esse mercado de forma especial, pois a demanda por alimentos cresceu muito – junto com o aumento de renda – e há uma grande preocupação com a segurança alimentar. A China produz alimentos, mas é muito ineficiente, uma vez que a produção é majoritariamente extensiva”. De acordo com ele, o padrão do consumo chinês está mudando, passando de arroz para proteínas de origem animal, como os lácteos, o que abre oportunidades para outros países.
“Há muito espaço ainda para ser conquistado entre os chineses. As terras já sofrem com seu limite físico e o uso excessivo de fertilizantes contaminou os lençóis freáticos. O crescimento populacional continua intenso, assim como o êxodo rural. A cada ano, 10 milhões de pessoas saem do campo e vão para as cidades. Para abastecer toda a população, a política está se flexibilizando e a autossuficiência está sendo deixada de lado”. As visitas recentes realizadas pelo ministro Blairo Maggi ao país são um ponto bastante positivo na visão do ex-embaixador. “Temos que ter em mente que qualquer falha aumenta muito as chances de ocorrer um embargo, mas, as expectativas são muito boas”.
Para ler o resumo completo do evento, clique aqui.
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