quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Estratégias nutricionais para otimizar a eficiência reprodutiva - Parte 1

Por Ricarda Maria dos Santos e José Luiz Moraes Vasconcelos 
postado em 01/02/2017 por Milkpopint

Este texto é a parte da palestra apresentada pelo Dr. Milo C. Wiltbank da University of Wisconsin, Madison, do EUA, no XX Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, realizado em Uberlândia de 17 e 18 de março de 2016.
Resumo
Ao longo do século passado, o aumento da produção de leite foi associado à piora do desempenho reprodutivo. Na última década, entretanto, houve melhora na reprodução, mesmo com o contínuo aumento da produção de leite. Os motivos para esta melhora reprodutiva são vários, como aperfeiçoamento nos programas de manejo reprodutivo, avanços de ambiência que proporcionaram mais conforto às vacas e programas avançados de manejo sanitário, além de uma virada na genética da reprodução, que proporcionou alguns destes ganhos.
Pesquisas recentes e antigas indicam que ganhos em desempenho reprodutivo exigem otimização dos programas nutricionais, assunto a ser enfatizado neste texto, abordando quatro áreas específicas. Em primeiro lugar, deficiências nutricionais na dieta pré-parto podem afetar negativamente a reprodução. Pesquisas recentes indicam que a suplementação de vitamina E a vacas com deficiência apenas marginal de vitamina E no último mês de gestação reduziu a incidência de retenção de placenta e natimortos, além de melhorar o desempenho reprodutivo subsequente.

Em segundo lugar, deficiências nutricionais no período periparto e durante os primeiros 21 dias pós-parto podem ter efeito adverso significativo sobre a reprodução subsequente. Em um estudo prospectivo recente e consistente com resultados obtidos anteriormente, observou-se que alterações no ECC durante os primeiros 21 dias pós-parto foram associados a diferenças dramáticas em fertilidade em vacas leiteiras de alta produção em lactação.

Terceiro, a elevação dos níveis de insulina durante a semana que precede a IA, potencialmente devido a dietas com alto teor de carboidratos não fibrosos, pode ter efeitos negativos sobre a fertilização e desempenho reprodutivo de ruminantes. Desta forma, a redução da insulina através de variações direcionadas e sutis em consumo de ração ou composição da fração energética da dieta poderiam ser usados para melhorar a reprodução.

Quarto, a otimização da composição de aminoácidos das dietas pode melhorar a eficiência reprodutiva. Em pesquisa recente foi demonstrado que a suplementação de metionina protegida da ação ruminal altera a expressão gênica em embriões em fase de pré-implantação e reduz perdas gestacionais subsequentes em vacas leiteiras em lactação. Desta forma, programas nutricionais inadequados podem reduzir o desempenho reprodutivo e uma nutrição otimizada pode melhorar a reprodução até mesmo em rebanhos altamente melhorados geneticamente nos quais se aplicam estratégias de manejo reprodutivo.

Introdução
Inúmeras revisões já ressaltaram a importância da nutrição na regulação da eficiência reprodutiva bovina (Cardoso et al., 2013; Grummer et al., 2010; Santos et al., 2010; Wiltbank et al., 2006). Os efeitos da nutrição na vaca doadora de embriões já foram bastante enfatizados (Santos et al., 2008; Sartori et al., 2010; Sartori et al., 2013; Velazquez, 2011; Wu et al., 2013). Esta revisão vai focar especificamente em alguns resultados relacionados a como alterações na nutrição podem alterar a eficiência reprodutiva de vacas leiteiras.

Níveis inadequados ou excessivos de energia, proteína ou aminoácidos específicos podem ter efeitos em vários estágios do processo reprodutivo. Em primeiro lugar, foi postulado de que efeitos durante o período pós-parto imediato poderiam alterar o oócito e subsequente desenvolvimento do embrião depois da fertilização deste oócito alterado (Britt, 1992).

Em segundo lugar, alterações em hormônios circulantes e metabólitos tais como insulina, glicose, ureia ou aminoácidos durante as fases finais de desenvolvimento do oócito, antes da ovulação, poderiam ter efeito negativo sobre a taxa de fertilização ou desenvolvimento do embrião (Adamiak et al., 2005; Adamiak et al., 2006; Bender et al., 2014).

Um terceiro objetivo óbvio da nutrição sobre o embrião é durante a primeira semana de desenvolvimento, quando alterações no ambiente do oviduto ou útero poderiam alterar o desenvolvimento do embrião até o estágio de blastocisto (Steeves e Gardner, 1999a; b; Steeves et al., 1999). Finalmente, alterações nos metabólitos energéticos circulantes, como glicose e propionato e de constituintes de células como aminoácidos, poderiam alterar a composição do meio uterino e consequentemente influenciar a eclosão e o alongamento do embrião.

O embrião em processo de alongamento secreta a proteína interferon-tau, essencial para resgatar o corpo lúteo e cuja concentração é influenciada por substâncias do meio uterino (Groebner et al., 2011; Hugentobler et al., 2010). Além disso, determinados nutrientes do meio uterino também podem alterar a expressão de interferon-tau (Kim et al., 2011). Desta forma, deficiências ou excessos de energia, proteína ou aminoácidos específicos poderiam ter impacto direcionado em estágios específicos do desenvolvimento do oócito/embrião ou ter efeitos múltiplos, potencialmente aditivos, sobre os processos reprodutivos.

Manejo nutricional no período de transição: efeitos da duração do período seco
Uma maneira extrema de alterar o balanço de energia durante o período de transição é eliminar o período seco. Estudos do laboratório do Dr. Ric Grummer, demonstraram um efeito positivo da suspensão do período seco sobre o balanço de energia, retorno à ciclicidade e fertilidade (Grummer et al., 2010). Quando o período seco foi eliminado, não houve balanço negativo de energia durante o pós-parto imediato (Rastani et al., 2005). O tempo até a primeira ovulação foi reduzido nas vacas que não foram secas (13,2 + 1,2 d) em relação a vacas com período seco de 56 dias (31,9 + 4,4 d) ou 28 dias (23,8 + 3,4 d) (Gumen et al., 2005).

Um aspecto interessante foi que houve maior número de gestações por inseminação artificial (G/IA) nas vacas que não foram secas (55%) em comparação às vacas com período seco de 56 dias (20%) (Gumen et al., 2005). Desta forma, o manejo do período seco pode reduzir/eliminar o balanço negativo de energia durante o pós-parto imediato e aumentar a taxa de G/IA (Grummer et al., 2010; Gumen et al., 2005; Watters et al., 2009).

Manejo nutricional no período de transição: efeitos da variação de condição corporal
A correlação entre ingestão de energia e energia na dieta (carboidratos fibrosos vs. não fibrosos, CNF) exerce profundos efeitos sobre o estado metabólico da vaca e, em alguns casos, também sobre o desempenho reprodutivo tanto de vacas de leite quanto de corte. Parte deste efeito se deve ao atraso no retorno à ciclicidade. O balanço negativo de energia reduz o crescimento do folículo dominante e a produção de estradiol (E2), provavelmente devido à redução dos pulsos de hormônio luteinizante (LH), assim como os teores circulantes mais baixos de insulina e IGF-1 (Butler, 2003; 2005; Canfield e Butler, 1990). A magnitude da perda de escore de condição corporal (ECC) depois do parto pode aumentar a porcentagem de vacas que não estão ciclando ao final do período voluntário de espera (Gumen et al., 2003; Lopez et al., 2005; Santos et al., 2004; Santos et al., 2009). Um aumento na porcentagem de vacas anovulatórias reduz a eficiência reprodutiva em programas que usam detecção de estro ou sincronização de ovulações em inseminação artificial em tempo fixo (IATF) (Gumen et al., 2003; Santos et al., 2009). Vacas com baixo ECC têm menor fertilidade após IA (Moreira et al., 2000; Souza et al., 2008), provavelmente devido à anovulação por queda do ECC (Santos et al., 2009).

Em estudo retrospectivo (Carvalho et al., 2014), avaliou-se o efeito do ECC no momento da IATF sobre o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras em lactação tratadas com o protocolo Duplo-Ovsynch (Herlii et al., 2012; Souza et al., 2008) para indução de ciclicidade e sincronização da ovulação. Vacas com baixo ECC (≤2,5) tiveram maior incidência de anovulação (12,3% [21/171] vs. 4,9% [22/451]; P = 0,0006) e redução de G/IA (40,4% [105/260] vs. 49,2% [415/843]; P = 0,03) em comparação a vacas com ECC ≥ 2,75. Desta forma, o ECC no momento da IA tem um pequeno, porém significante efeito sobre a fertilidade, mesmo quando as vacas são induzidas usando um protocolo à base de GnRH, como o Duplo-Ovsynch.

Potencialmente, ainda mais importante para a fertilidade que o ECC absoluto no momento da IA é a variação negativa de ECC entre o parto e a primeira IA (López-Gatius et al., 2003; Santos et al., 2009). Consistente com esta ideia Carvalho et al. (2014), observaram efeito sobre o índice G/IA quando avaliaram vacas quanto à variação de ECC entre o parto e 21 dias pós-parto. O índice G/IA foi diferente (P<0,001) entre as categorias de variação de ECC e foi máximo em vacas que ganharam ECC (83,5%; 353/423), intermediário em vacas cujo ECC se manteve inalterado (38,2%; 258/675) e mais baixo em vacas que perderam ECC (25,1%; 198/789). Desta forma, estes resultados são consistentes com a ideia lançada por Britt (1992), que postulou que o balanço energético no período imediatamente pós-parto poderia alterar a qualidade de folículos/oócitos, resultando em efeitos negativos sobre a fertilidade subsequente de vacas leiteiras em lactação.

Num terceiro experimento Carvalho et al. (2014), testaram diretamente esta hipótese ao avaliar o efeito da perda de peso no pós-parto imediato sobre a qualidade do embrião em vacas superovuladas (Carvalho et al., 2014). O peso corporal de vacas leiteiras em lactação (n=71) foi medido semanalmente da primeira à nona semana pós-parto e em seguida todas as vacas foram submetidas a indução de superovulação usando um protocolo Duplo-Ovsynch modificado. As vacas foram divididas em quartis de acordo com a porcentagem de variação de peso corporal (Q1 = menor variação; Q4 = maior variação) entre o parto e a terceira semana pós-parto. Não houve efeito do quartil sobre o número de ovulações, número total de embriões coletados ou porcentagem de oócitos fertilizados; a porcentagem de oócitos fertilizados que geraram embriões transferíveis, entretanto, foi maior em vacas em Q1, Q2 e Q3 em relação a Q4 (83,8%, 75,2%, 82,6%, e 53,2%, respectivamente).

Além disso, a porcentagem de embriões degenerados foi menor em vacas em Q1, Q2 e Q3 e maior em Q4 (9,6%, 14,5%, 12,6% e 35,2%, respectivamente). Assim, o efeito das alterações em ECC durante o período pós-parto imediato sobre a fertilidade subsequente na primeira IA poderia ser parcialmente explicado pela piora da qualidade do embrião e maior número de embriões degenerados no dia 7 depois da IA em vacas que perdem mais peso entre a primeira e terceira semana pós-parto. Estes resultados são obviamente consistentes com a hipótese de Britt (1992) e especialmente variações de ECC podem ter efeitos dramáticos sobre a fertilidade e desenvolvimento inicial do embrião em vacas leiteiras.
 

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