Renato Villela em 08/12/2017 no site Portal DBO
Quando as chuvas retornam e as temperaturas começam a subir, o produtor se vê diante de uma velha conhecida, a mosca-dos-chifres (Haematobia irritans), inseto hematófago que traz incômodo para os animais, prejudicando o seu desempenho. Enquanto ela não chega, talvez convenha se perguntar. Em que circunstâncias vale a pena controlar a praga? Qual a melhor época para realizar o controle? Que produto usar? Qual a forma mais indicada para aplicação? A resposta para essas questões não está apenas nas instituições de pesquisa, mas no dia a dia de cada propriedade. Entender o ciclo biológico da mosca é tão importante quanto observar o comportamento dos animais ou conhecer o histórico do uso de medicamentos na fazenda. Dessa forma, é possível traçar uma estratégia de combate mais eficiente e reduzir as perdas provocadas pelo inseto.
Estudos realizados sobre a mosca-dos-chifres indicam que a praga pode comprometer o desempenho dos animais de modo significativo, com redução de até 100 g no ganho de peso diário. Considerando o período de alta infestação do inseto, de novembro a abril (180 dias), época em que o clima costuma ser favorável para sua rápida proliferação, as perdas podem ultrapassar uma arroba de peso vivo. O prejuízo explícito na balança não significa necessariamente que o controle químico deva ser realizado toda vez que a mosca estiver presente (é fácil identificá-la, pois se posiciona de forma característica, com a cabeça para baixo e as asas abertas). “Muitas vezes o produtor quer ver seu animal limpo, por isso aplica o produto sempre que visualiza a mosca. É o chamado ‘tratamento estético’. Além de gastar dinheiro, a medida é inócua. Dadas as condições tropicais na maior parte do país, sempre haverá algum nível de infestação”, afirma Thadeu Barros, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, de Campo Grande, MS.
Quando tratar - De acordo com o pesquisador, recomendam-se dois tipos de tratamento: o tático e o estratégico. O primeiro é reservado somente para situações excepcionais, como altas infestações que fugiram ao controle. A literatura internacional diz que se enquadram nesse patamar populações acima de 200 moscas/animal, onde o controle químico, portanto, se justificaria. Barros discorda. “Esse número veio dos Estados Unidos, onde as raças e o manejo são diferentes, além de o preço da carne ser outro”, diz. Segundo ele, a decisão sobre o tratamento não deve depender do número de moscas, mas do comportamento do animal, ou seja, do nível de inquietação do rebanho. “Se os animais estiverem inquietos, movimentando a cabeça contra o dorso ou a paleta, por exemplo, é sinal de que estão muito incomodados. Isso se traduz em menos tempo de pastejo e repouso e, consequentemente, menor ganho de peso”, diz. No entanto, lembra Barros, “quanto mais longe se estiver desse quadro, maior a probabilidade de o custo/benefício do tratamento não ser favorável ao produtor”.
A outra forma de controle da praga, que deve nortear as ações na fazenda, é o tratamento estratégico. Calcado no planejamento, preconiza duas aplicações anuais: no início e no final da temporada chuvosa, períodos normalmente de picos de infestação. No começo da estação chuvosa, o produtor pode tratar os animais aproveitando o manejo de vacinação contra a febre aftosa, em novembro. “É uma das poucas oportunidades em que um adequado combate da mosca-dos-chifres pode ser feito aproveitando-se outro manejo”, diz Barros. A preocupação se justifica. Segundo o pesquisador, é comum o produtor aproveitar qualquer manejo na fazenda - inseminação, toque, desmama - para aplicar o mosquicida. “É o ‘tratamento oportunístico’, quando simplesmente aproveita-se a passagem do gado pelo mangueiro para tratar os animais, mesmo que o nível de infestação seja relativamente baixo e não justifique o uso do inseticida”, afirma.
Muito produto, poucas opções - Se você, ao entrar numa revenda agropecuária, perguntar sobre produtos para a mosca-dos-chifres, certamente se surpreenderá com a oferta nas prateleiras. Atualmente, o mercado nacional abriga mais de 100 produtos registrados para o controle desta praga. Ao contrário do que se possa imaginar, no entanto, essa gama de produtos não se traduz numa variedade ampla de opções. Existem disponíveis somente quatro “famílias” ou “classes” com ação mosquicida: piretroides, organofosforados, lactonas macrocíclicas e fenilpirazóis. É aí que está o busílis. Para evitar problemas de resistência, cada vez mais comuns no combate da mosca-dos-chifres, o controle químico prevê a alternância de princípios ativos e das famílias de inseticidas, premissa que não chega a ser novidade para o produtor, mas que nem sempre é cumprida corretamente. “Muitas vezes o produtor, por falta de conhecimento, compra outro produto, mas da mesma família, ainda mais porque a maior oferta no mercado é de inseticidas piretroides. É trocar ‘seis por meia dúzia’”, diz o pesquisador da Embrapa.
Segundo Barros, é fundamental o produtor considerar o histórico do uso de ectoparasiticidas na propriedade. Desse modo é possível conhecer como está sua eficácia e avaliar eventuais substituições. “Tem que se perguntar. Depois que aplicou o produto no animal, acabou a infestação ou a mosca permanece no gado? A infestação demorou para voltar e poucos dias depois os animais estavam novamente incomodados?”. De acordo com o pesquisador, a cada ano o produtor deve trocar a classe inseticida para conseguir um controle mais efetivo. Práticas comuns como aumentar a dose, frequência de aplicação ou substituir aleatoriamente o produto quando não há eficácia satisfatória não são recomendadas, pois além do risco aos animais, pode agravar o problema de resistência. Vale ressaltar que o inseticida não causa resistência. A mosca já nasce resistente. Ele é responsável pelo seu aparecimento na população, por meio de seleção. “A cada tratamento, o inseticida elimina da população as moscas susceptíveis e mantém apenas as sobreviventes, ou seja, as resistentes”, explica.
Formas de aplicação - Dentre as diferentes formas de aplicação de produtos mosquicidas, a mais utilizada pelos produtores é a pulverização, na maioria dos casos realizada por meio de bomba costal ou pulverizador automatizado, mais recomendável. De modo geral, recomenda-se 4 a 5 litros de calda por animal, mas Barros prefere trabalhar com a medida de 1 litro para cada 100 kg de peso vivo para evitar desperdício. “À medida que os animais crescem, aumenta-se o volume para o tratamento do lote”, explica. Os dois outros métodos – aplicação pour on e brinco mosquicida – garantem maior tempo de proteção contra a mosca, em virtude da liberação mais lenta do inseticida no organismo animal, em especial o brinco. Isto não significa necessariamente que seja a melhor opção de tratamento. “O brinco permanece no animal por vários meses e, ao mesmo tempo que controla a mosca, seleciona as resistentes”, diz. Uma boa dica, segundo Barros, é usar criteriosamente os produtos inseticidas, particularmente os de longa duração, que devem ser utilizados apenas quando realmente necessário.
*Matéria originalmente publicada na edição 441 da Revista DBO.
Fonte: Portal DBO
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