terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Tratamento seletivo de mastite clínica pode reduzir o uso de antimicrobianos e o descarte de leite

Tiago Tomazi* Marcos Veiga dos Santos
Em 04/12/2017 no site MilkPoint

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mastite clínica (MC) é responsável por causar grandes prejuízos em rebanhos leiteiros, os quais estão associados com fatores como o descarte de leite, redução do potencial produtivo e reprodutivo, risco de transmissão, e descarte precoce da vaca. Além disso, parte dos custos associados com a MC está atribuído aos gastos com tratamento, visto que protocolos não-seletivos (uso de antimicrobianos em todos os casos de MC), continuam sendo a principal estratégia de tratamento desta doença em rebanhos leiteiros. 

Resultados de um estudo desenvolvido pela equipe do Laboratório Qualileite demonstraram que 97% de aproximadamente 6.000 casos de MC receberam tratamento com antimicrobianos por via intramamária e/ou injetável. No entanto, o uso abusivo e indiscriminado de antimicrobianos tem preocupado órgãos governamentais em diversos países devido a fatores como:

(a) aumento do risco de resíduos no leite e derivados;
(b) possível desenvolvimento de resistência de microrganismos patogênicos aos antimicrobianos e;
(c) perdas econômicas associadas com o tratamento da vaca e descarte de leite.

Uma estratégia para redução do uso de antimicrobianos em rebanhos leiteirospode ser realizada pela implantação de programas de tratamento seletivo (TS) de MC, nos quais o uso de antimicrobianos depende dos resultados de identificação microbiológica. Programas de TS de MC, considerando os resultados de cultura realizados na fazenda, ou pela disponibilidade de resultados de cultura por laboratório especializado em menos de 24 horas, podem reduzir o uso de antimicrobianos, e consequentemente, reduzir os custos gerados pela MC em rebanhos leiteiros.

O TS de MC tem como princípio o uso de antimicrobianos apenas para casos que possam se beneficiar desta estratégia. Por exemplo, em programas de cultura na fazenda não é recomendado o uso de antimicrobianos para tratamento de casos leves ou moderados de MC que apresentam resultado de cultura negativa (sem crescimento microbiológico). Cerca de 30-50% dos casos de MC submetidos para cultura microbiológica não apresentam crescimento bacteriano, para os quais, o uso de antimicrobianos é difícil de ser justificado. Além disso, bactérias Gram-negativas possuem propriedades morfológicas distintas de bactérias Gram-positivas.

Bactérias Gram-negativas como a Escherichia coli possuem uma camada lipopolissacarídea adicional na parede celular bacteriana, a qual reduz a ação da maioria dos antimicrobianos comercialmente disponíveis, além de ter propriedades endotóxicas que causam infecções com sintomatologia mais grave. Por outro lado, taxas de cura espontânea superiores a 85% podem ser esperadas em casos de MC causadas por bactérias Gram-negativas, e isso está associado com a maior susceptibilidade deste grupo bacteriano aos componentes do sistema imunológico da vaca. Com base nisso, e considerando estudos que avaliaram programas de cultura na fazenda para TS de MC, o uso de antimicrobianos pode não ser justificado para os casos de gravidade leve ou moderado com isolamento de bactérias Gram-negativas, ou com resultados de cultura negativa.

Um estudo recente, desenvolvido com rebanhos dos EUA, avaliou a eficiência de um programa de TS de MC em comparação a um protocolo de tratamento não-seletivo (TNS), no qual todas as vacas com MC foram tratadas, independentemente dos resultados de cultura. Vacas do grupo TNS receberam uma aplicação de cloridrato de ceftiofur (antibiótico de amplo espectro) por via intramamária no dia do diagnóstico da MC, seguido de mais quatro aplicações do mesmo produto a cada 24 horas. Por outro lado, para as vacas do grupo TS, uma amostra de leite foi coletada para cultura microbiológica, e em menos de 24 horas, as fazendas receberam o resultado para direcionamento do tratamento com um dos seguintes protocolos:

(a) vacas com isolamento de bactérias Gram-negativas ou com cultura negativa não receberam tratamento antimicrobiano; e
(b) vacas com isolamento de bactérias Gram-positivas ou com cultura mista foram tratadas com apenas duas aplicações de cefapirina sódica com intervalo de 12 horas. 


A escolha pelo produto a base de cefapirina para os casos de MC do grupo TS se baseou no menor custo do antimicrobiano, e por este princípio ativo ser indicado especificamente para tratamento de mastite causada por bactérias Gram-positivas. Além disso, com a redução da frequência de aplicações, uma redução ainda maior do uso de antimicrobianos e de descarte de leite foi esperada no grupo TS.

Um total de 489 casos de MC foram avaliados neste estudo, dos quais 246 foram incluídos no grupo TS, e 243 foram tratados independentemente do resultado de cultura (TNS). Após a análise dos dados, não foi observado diferença entre os grupos avaliados em relação aos dias até a cura clínica, produção de leite, escore linear de CCS, e risco de descarte das vacas aos 30 e 60 dias após o diagnóstico de MC (Figura 1).

Figura 1. Comparação entre um programa de tratamento seletivo (TS, 246 casos) de mastite clínica baseado nos resultados de cultura e um protocolo de tratamento não-seletivo (TNS; 243 casos).

 

 
 


Além disso, os resultados do estudo demonstraram uma redução de três dias no descarte de leite das vacas do grupo TS em comparação ao grupo TNS. As vacas do grupo TNS tiveram o leite descartado por aproximadamente 9 dias, ao passo que as vacas do grupo TS tiveram descarte de leite por apenas 6 dias. Além disso, outro fator impactante do ponto de vista econômico, foi em relação ao uso de antimicrobianos. Enquanto 100% dos casos de MC ocorridos nas vacas do grupo TNS receberam antimicrobianos, apenas 32% dos casos do grupo TS foram tratados com antibiótico intramamário.

Contudo, considerando os resultados deste estudo, mais de 65% dos casos leves e moderados de MC não teriam sido tratados com antimicrobianos se todas as vacas tivessem sido submetidas ao programa de TS. Além disso, o período de descarte de leite foi reduzido em três dias sem que houvesse prejuízos em relação aos dias até a cura clínica, produção de leite e CCS, e risco de descarte da vaca em até dois meses após o caso de MC. Desta forma, se a decisão de tratamento dos casos de MC for baseada em resultados confiáveis de cultura, bem como de identificação precoce dos casos leves e moderados da doença, programas de TS podem reduzir significativamente os custos da MC e promover ganhos econômicos aos rebanhos leiteiros.

Fonte: Vasquez et al. (2017). Journal of Dairy Science. 100:2992–3003.

* Tiago Tomazi é doutor em Nutrição e Produção Animal e pesquisador do laboratório Qualileite/FMVZ-USP.

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