*João Martins da Silva Junior, O Estado de S.Paulo
19 Janeiro 2018 | 03h06
Nos primeiros dias deste ano tomamos conhecimento de um fato inusitado: o presidente do Banco Central (BC) teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda para se explicar pelo fato de a inflação de 2017 ter ficado um pouco abaixo do piso da meta. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado entre nós, é a primeira vez que isso se verifica. Deveria ser motivo de celebração, e não de explicações.
Depois de muitos anos de inflação elevada e crônica, a sociedade brasileira deveria ter horror à alta de preços, como a população alemã, que mesmo em tempos de recessão reluta em admitir qualquer flexibilização monetária. Mas somos um povo fascinado pelo presente e esquecemos, com facilidade, nossas piores experiências.
É sempre bom recordar que durante muito tempo houve entre nós uma clara divisão ideológica acerca do combate à inflação, o que explica, em parte, sua presença persistente em nossa História. As esquerdas “progressistas” denunciavam as políticas anti-inflacionárias como um programa conservador, contrário ao crescimento e a serviço do capitalismo internacional.
Muito recentemente vimos outra vez esses “progressistas” desdenharem as políticas de equilíbrio e deixarem a inflação ultrapassar os dois dígitos, mesmo diante da maior recessão de nossa História. Felizmente, esse tempo parece ter passado, se é que os encantos do populismo irresponsável não vão, mais uma vez, iludir o nosso povo nas eleições do final do ano.
A inflação de 2017 traz algumas lições. Como disse o presidente do BC, inflação baixa é boa, não ruim, e não há nada de errado em estar abaixo do piso prometido. Inflação de quase 3% não é nada fora da curva. A inflação norte-americana em 2017 estará em 2,1% e a da zona do euro, em 1,5%. Estamos só caminhando em direção a um ambiente civilizado e mais justo.
O desvio da inflação em relação ao centro da meta, de 4,5%, é quase totalmente explicado pelo comportamento dos preços dos alimentos, que tiveram durante o ano deflação de 4,85%. Se excluirmos do IPCA o subgrupo alimentação, a inflação de 2017 teria sido de 4,54%.
Mais uma vez a agropecuária brasileira é um fator virtuoso na economia do País. Primeiro, produziu os saldos comerciais que nos livraram das restrições históricas da nossa capacidade de importar. Agora, melhora a qualidade de vida das populações mais pobres e joga a inflação para baixo. Mas, tal como na história das “explicações” devidas pelo BC, estamos sempre precisando nos explicar. Somos acusados de ser um segmento privilegiado pelo governo e pelo Congresso, de sermos predadores do ambiente e fator de desigualdade e injustiça social, devendo, portanto, estar sempre pedindo desculpas aos setores “iluminados” da nossa elite política e intelectual.
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e, também, perdas. Atrás dos números frios da deflação dos alimentos há a realidade de numerosas atividades que não estão gerando retorno econômico e algumas em que as margens se tornaram negativas. Os custos da produção – salários, combustíveis, fertilizantes, defensivos – seguiram subindo e os preços declinantes dos produtos significam prejuízo para agricultores e pecuaristas.
Em 2017 os preços do feijão carioca caíram 46%, os do açúcar cristal, 22% e do arroz, 11%. De modo geral, seja no mercado doméstico, seja nas exportações, a maioria dos nossos preços caiu. No conjunto, o grupo dos cereais, legumes e oleaginosas teve, no ano, uma queda nos preços de 25% e as frutas, 16%. O mesmo na pecuária: o preço do leite para o produtor fechou 2017 com valor 6% menor que a média de 2016 e o da arroba do boi teve queda de 10%. Os consumidores ganharam, mas os produtores perderam.
Os dois anos de recessão e encolhimento da renda por habitante provocaram forte diminuição da demanda de consumo das famílias, principalmente as de renda mais baixa, e a agropecuária brasileira, apesar de ser uma máquina exportadora muito eficiente, destina a maior parte de sua produção ao mercado interno. Quando a economia vai mal, nós vamos pelo mesmo caminho.
Vivemos um paradoxo. Os níveis de produção e produtividade de nossa agropecuária crescem a cada ano, salvo algum desvio causado por condições climáticas. Os investimentos para aumentar a produção, introduzir novas tecnologias e assegurar maior sustentabilidade ambiental têm se mantido sem interrupções, apesar das incertezas da economia. Mas a situação econômica dos produtores rurais está longe de ser brilhante. Se a agropecuária vai muito bem, o mesmo não se pode dizer da maioria desses produtores.
As margens de retorno econômico para o produtor são influenciadas por fatores que estão fora do seu controle, em especial os custos logísticos, que oneram a produção e capturam boa parte dos preços finais de venda aos consumidores. São investimentos que o País não realizou e cujo impacto afeta desproporcionalmente os produtores rurais, que tiveram a audácia de ocupar nosso imenso território, colonizando-o com grandes sacrifícios, para proveito de toda a sociedade.
Organizações internacionais atestaram, recentemente, que a produção rural no Brasil era a menos subsidiada entre as grandes nações produtoras. Agora, com a queda da Selic, os juros do crédito rural não envolvem mais custos de equalização para o Tesouro.
Tudo isso somado, penso ter passado da hora de certas elites urbanas fazerem as pazes com a verdade e abandonarem representações mentais da economia rural brasileira que já não correspondem ao mundo real, mas continuam sobrevivendo nas mentalidades, como uma cortina que não deixa passar a luz.
O começo do ano é sempre um tempo de esperanças. Espero que daqui para a frente nem o presidente do BC precise mais pedir desculpas pela inflação baixa nem os produtores rurais precisem pedir desculpas pelo bem que realizam.
*Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
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