A interação entre a vaca e o ambiente é fundamental para a saúde e a produtividade do rebanho. Existem vários tipos de ambientes que as vacas podem permanecer confinadas, nos quais são utilizados diferentes materiais como cama (orgânicos ou inorgânicos). No entanto, o tipo de material que é utilizado como cama afeta o tempo que as vacas permanecem deitadas e a saúde. Vacas alojadas em ambientes confortáveis podem permanecer por até 12 a 13 horas deitadas.
Pelo fato das vacas permanecerem grande parte do tempo deitadas, a superfície das camas torna-se uma das principais interações que elas têm com o seu ambiente. No entanto, isso pode representar uma ameaça para a saúde das vacas, pois os diferentes materiais utilizados como cama podem apresentar diferentes contagens bacterianas, e forma oportunista, as bactérias contaminantes das camas podem colonizar o canal do teto e ocasionar mastite. As camas de origem orgânica (como a serragem e maravalha) permitem uma maior velocidade de multiplicação de microrganismos que as camas inorgânicas (e.g., areia), pois há a disponibilidade de substratos para as bactérias presentes no material orgânico.
A utilização da areia como material de cama apresenta bons resultados em relação ao conforto das vacas. Quando comparado o uso de areia com outros tipos de materiais (e.g., palha ou serragem), observou-se que o número de vacas que permaneciam deitadas em camas de areia era maior em comparação a camas de palha ou serragem. Atualmente, muito rebanhos tem usado a areia reciclada na cama, mas deve-se estar atento a algumas diferenças entre estes dois tipos de materiais: o teor de matéria orgânica, o teor de matéria seca e o tamanho de partícula, que podem alterar o grau de sujidade das vacas e o risco de mastite.
Um estudo desenvolvido por pesquisadores americanos determinou os efeitos do uso de cama de areia reciclada sobre o comportamento de deitar e a higiene de vacas leiteiras em lactação. Foram utilizadas 64 vacas, divididas igualmente em 4 grupos (8 vacas cada grupo), durante duas estações (inverno e verão). As vacas foram alojadas em duas condições de cama: a) com areia reciclada; b) com areia limpa (sem uso anterior). Foi mensurado o tempo e a duração de cada período em que as vacas permaneceram deitadas e o número de passos por dia. Além disso, foi mensurada a temperatura retal das vacas, colhidos suabes da pele dos tetos, amostras de leite das vacas e de areia das camas e avaliados o escore de higiene do úbere.
Em ambas as estações o comportamento de deitar das vacas não foi afetado pelo tipo de cama, que variou de 11,5 a 11,9 h/dia (Figura 1). Este resultado sugere que as camas estavam adequadas, o que pode ter ocorrido pela pequena variação no teor de matéria seca das areias utilizadas como cama no estudo atual (> 88%).
Figura 1: Tempo que as vacas permaneceram deitadas em camas com areia limpa e reciclada durante as estações de verão e inverno (média de uma a semana). Adaptado de Kull et al, 2017.
Com relação ao escore de higiene, as vacas foram consideradas limpas nos dois tipos de cama, apresentando escore inferior a 1 com base em uma escala que varia de 1 (vaca com pouca sujeira aderida) a 4 (vaca coberta por sujeira). Diante disso, os riscos de as vacas desenvolverem mastite subclínica foi baixo nos dois tipos de cama. Da mesma forma, esse resultado também está associado à pequena variação no teor de matéria seca dos dois tipos de areia, diminuindo a adesão de substrato a região do úbere. No entanto, o escore de higiene foi maior para as vacas em areia reciclada durante o inverno, mas mesmo assim, ambas as estações apresentaram escores inferiores ao que é considerado como fator de risco para as vacas (escore 3 ou 4).
Apesar das pontuações de higiene do úbere indicar que as vacas estavam limpas, foi encontrada uma maior contagem bacteriana para a areia reciclada. No entanto, mesmo com o aumento da carga bacteriana, esse limiar não foi suficiente para caracterizar uma vaca em um escore de higiene superior a 0 ou 1. Esse fator, associado às baixas contagens bacterianas das camas (<1000 bactérias/mL), sugerem que a areia, mesmo sendo reciclada, não representou risco ambiental para as vacas.
Os resultados deste estudo sugerem que a areia reciclada pode ser usada como material de cama, sendo segura e confortável para vacas leiteiras, pois não reduziu o tempo em que as vacas permaneciam deitadas e não aumentou a contaminação da pele dos tetos. No entanto, neste estudo, a areia foi reciclada apenas uma vez, apresentou alto teor de matéria seca e sua composição pode não ter sido alterada completamente. Diante disso, deve-se tomar cuidado com a reciclagem adicional da areia a fim de verificar se o processamento do material pode progredir a ponto de afetar a saúde das vacas e tornar as cargas bacterianas da cama como uma potencial preocupação. Atualmente, não ainda foi totalmente estudado qual é o limite da carga bacteriana em areia reciclada e quantas vezes o material pode ser recuperado e utilizado como cama, sem riscos para saúde das vacas.
KULL, J. A. et al. Journal of Dairy Science, v. 100, n. 9, p. 7379-7389, 2017.
*Gustavo Freu é mestrando do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ/USP e pesquisador do Laboratório Qualileite-FMVZ/USP.
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