Em 12/04/2017 no Portal DBO.
Fernanda Yoneya
Produtores de leite costumam ouvir, de técnicos e especialistas em gestão, a mesma pergunta: “Você faz planilha?” Simples, a prática de armazenar informações da fazenda é o primeiro passo para qualquer pecuarista se programar a médio e longo prazos. É a partir do “hábito” de colocar dados de custos de produção e de índices zootécnicos que o produtor consegue se organizar e traçar metas para o futuro da propriedade e dos negócios.
Esses índices zootécnicos abrangem itens como produção diária de leite; número de vacas em lactação e total de vacas; produção diária por vaca; produtividade da mão de obra; produção por área de pastagem; consumo de concentrado por litro de leite, além de índice de fertilidade dos animais; índice de natalidade; taxa de mortalidade e índice de animais descartados.
“Não existe receita de bolo para um bom planejamento de uma propriedade leiteira, mas a planilha de custos é indispensável”, afirma o engenheiro agrônomo Primo Quinaglia Neto, da Cooperativa para a Inovação e Desenvolvimento da Atividade Leiteira (Cooperideal). Para Quinaglia Neto, que presta assistência técnica a produtores de leite do oeste de Santa Catarina e do sudoeste do Paraná, o planejamento deve ser feito com base nas prioridades de cada fazenda.
E, para saber quais são essas prioridades, é preciso ter informações, dados e histórico da propriedade e do rebanho. “Não tem regra, mas o sucesso de uma fazenda depende de um gerenciamento adequado. E esse gerenciamento depende do conhecimento que o produtor tem do seu negócio. Sem ter essas informações na ponta do lápis, não se sabe o caminho que a atividade está tomando e que rumo se pretende seguir. A planilha indica qual o caminho”, avalia o agrônomo.
Os pesquisadores da Embrapa Gado de Leite Rosangela Zoccal e José Luiz Bellini Leite afirmam que planejamento é saber onde se está – por meio de um inventário da propriedade – e aonde se quer chegar, com a definição de metas. “Tendo um ponto de partida e o ponto de chegada, que é a situação desejada, o produtor é capaz de traçar um caminho lógico”, dizem os pesquisadores.
“A análise do custo de produção de leite auxilia na organização e no controle do sistema de produção, identificando o desempenho de cada atividade. Permite a análise da rentabilidade e indica os custos controláveis que podem ser reduzidos, além de auxiliar no planejamento e controle das operações do sistema de produção”, explicam os pesquisadores.
Para Rosangela e Leite, decisões como crescimento ou estabilização da fazenda, aumento ou não da área de pasto, investimentos em maquinário, benfeitorias, descarte e compra de animais só têm sentido se o produtor estabelecer metas para a atividade. “A meta para as propriedades deve ser econômica e, com base nela, projeta-se quais os recursos necessários para alcançá-la – animais, terras, mão de obra, máquinas e equipamentos, instalações”, aconselham os pesquisadores.
Na ponta do lápis
Na Fazenda Borssatti, em São José do Cedro, em Santa Catarina, a família Borssatti tem nas planilhas a base da administração da propriedade. “É das planilhas que extraímos todas as nossas informações. São elas que indicam quais decisões devem ser tomadas. Muitas vezes, ganhamos dinheiro, mas não sabemos ‘onde’. Com as planilhas, sabemos exatamente o custo de produção e, consequentemente, onde estamos tendo lucro ou prejuízo”, diz o produtor Rodrigo Borssatti. Técnico em agropecuária, Rodrigo toca a fazenda com os pais, Vilson Borssatti e Joice Isabel Bernardy Borssatti. Há cerca de três anos, a família passou a visitar outras propriedades e a consultar assistência técnica, o que, segundo Rodrigo, foi “crucial” para a mudança na administração da fazenda.
Nessa época, conta Vilson, eles usavam uma planilha, mas não de forma “rigorosa”. Com os dados incompletos, nenhuma decisão era tomada com base nos registros. “Primeiramente, deve ser feita a planilha para saber o que se tem na propriedade. Em seguida, começa a tomada de decisões. Por exemplo, se o rebanho for numeroso, mas pouco eficiente, em termos de produtividade, descartamos animais”, diz Rodrigo. “A partir daí é possível saber onde estamos eficientes ou ineficientes e podemos definir estratégias para manter a eficiência já registrada e melhorar onde for necessário.” Na propriedade, a família analisa cada índice agronômico, zootécnico e econômico, em busca de alcançar a meta traçada a cada ano.
O agrônomo da Cooperideal afirma que o caminho a ser seguido, baseado “nos dados na ponta do lápis”, inclui, por exemplo, a tomada de decisões sobre compra de insumos, aquisição e descarte de animais e aumento da área de pastagens. “Para a compra de insumos, o produtor tem de saber as necessidades do rebanho e acompanhar o mercado. No caso de compra e venda de animais, é preciso conhecer a estrutura do rebanho e o ciclo reprodutivo dos animais. Antes de investir em um aumento da área de pasto, o produtor tem de avaliar se a área que ele tem disponível está na sua máxima eficiência. E tudo isso depende do quê? De conhecer a propriedade, de ter as informações da fazenda. Voltamos à importância das planilhas”, insiste Quinaglia Neto.
Pastagem
Segundo o agrônomo, um erro comum dos produtores é investir em um aumento de rebanho e da área de pastagem sem conhecer a eficiência do pasto já existente. “A dica é tirar o maior proveito da área já disponível”, diz o agrônomo. Para isso, explica, deve-se ter uma boa fertilidade do solo – o que inclui fazer uma análise de solo bem-feita – e avaliar a produção de leite por hectare/ano, item essencial para o bom gerenciamento da fazenda. “O bom produtor não é o que tira mais leite de uma vaca, de forma isolada, mas aquele que obtém o maior nível de eficiência dos animais a partir da área disponível.”
Os pesquisadores da Embrapa concordam. “Normalmente, o item que representa o maior custo na atividade leiteira é a alimentação do rebanho. Com isso, é imprescindível ter em mãos indicadores que permitam medir a eficiência do sistema de produção, como a taxa de lotação das pastagens, que é resultante do número de vacas em lactação dividido pela área (em hectares) destinada a essa categoria, e a produtividade das pastagens, que é a produção anual de leite em relação à área total do sistema produtivo. Muitas vezes, o que se precisa é realizar uma adubação, e não aumentar a área”, dizem.
O agrônomo da Cooperideal explica que conhecer a estrutura do rebanho, “animal por animal”, é outro item fundamental para planejar a fazenda. “A partir do ciclo reprodutivo do rebanho, o produtor sabe, por exemplo, a época de parição de cada animal e a época que uma vaca ‘seca’. O que mantém o produto vivo são as vacas em lactação, então ele monta uma estratégia de aquisição e descarte com base nessas informações.”
Segundo Quinaglia Neto, há produtores de leite que ganham dinheiro, mas não sabem “onde”. Outros acham que estão lucrando, mas não estão. “Daí a importância da gestão.” Ele diz ainda que não é o preço que faz uma 'vaca boa'. “Vaca boa é aquela que se encaixa nas necessidades da fazenda. E produtor eficiente é aquele que está sempre tentando se preparar, com antecedência, para atender às necessidades do rebanho e da propriedade.”
Choque de gestão
A recomendação ao produtor é preencher fichas de campo, com as chamadas ocorrências zootécnicas (partos, coberturas, peso e nascimentos); econômicas (gastos e receitas), e climáticas (regime de chuvas e temperaturas máximas e mínimas). Isso ajuda a detectar eventuais focos de prejuízo e a elaborar um planejamento estratégico para o descarte de animais.
Antes do “choque de gestão” na fazenda, os Borssatti mantinham um rebanho de 55 animais, sendo 20 vacas em lactação, com 30 litros de leite produzidos por animal. Havia investimento em genética e a área de pastagens era de 3,5 hectares. Outros 6 hectares eram reservados para o cultivo de milho para silagem. Atualmente, o rebanho é de 28 animais, sendo 24 vacas em lactação, duas vacas secas, uma novilha prenhe de 3 meses e mais uma novilha que está no prazo de parição.
Ao todo, são 10,5 hectares destinados à produção de leite. Agora, o desempenho não é mais medido por vaca, mas por hectare/ano, como recomenda o agrônomo da Cooperideal – a fazenda produz 18.873 litros de leite por hectare/ano. “Esse nível de detalhamento dá a dimensão da mudança de gestão na fazenda”, diz Rodrigo. “Antes, o preço do leite podia até ser melhor que hoje, mas não tínhamos a consciência que temos hoje da propriedade e do negócio.”
Antes de decidir pela compra ou descarte de um animal, Rodrigo diz que é ideal manter uma proporção entre vacas “em secagem” e parições. Sem essa proporção, o risco de um colapso é grande, porque, grosso modo, o que banca a fazenda são as vacas em lactação, que são as recém-paridas”, afirma o produtor. Segundo ele, a procedência do animal é também outro fator fundamental, sem esquecer a quantidade de pastagens disponível. “De nada adianta ter um animal de boa genética, gastar para comprá-lo e, na fazenda, ele não ter alimento.”
A família conta ainda como passou a se programar para não gastar mais do que o necessário na compra de insumos, como fertilizantes. “Tem de fazer análise de solo, pois isso indicará quais insumos o solo precisa. Com a ajuda de um técnico e com a análise de solo em dia, além de aumentar a fertilidade da área destinada aos animais, o produtor consegue gastar de forma racional, aplicando apenas o necessário, nem a mais nem a menos”, explica Rodrigo.
Segundo os Borssatti, sem fertilidade é mais difícil ser eficiente. “Mas não adianta fazer análise de solo, plantar e não fazer o manejo adequado do pasto. É importante investir em mão de obra qualificada. São etapas que precisam ser bem executadas para o resultado final ser satisfatório.”
Rosangela Zoccal e José Luiz Bellini Leite, da Embrapa, chamam a atenção para a questão da mão de obra em propriedades leiteiras. “Um dos grandes problemas da atividade leiteira é a disponibilidade de mão de obra treinada e capacitada para desenvolver as rotinas diárias que uma unidade de produção de leite exige. Nossas dicas são: gostar de trabalhar com gente; saber ouvir; reagir rapidamente; ter habilidades para resolver problemas e focar nas metas e nos resultados”.
Para administrar uma propriedade leiteira de forma profissional é preciso, em termos de gestão, implementar o ciclo PDCA (Planejamento, Desenvolvimento, Controle e Avaliação). “É o ciclo completo da gestão que começa no planejamento e vai até a avaliação e retroalimentação do planejamento do próximo ciclo. Existem vários cursos de gestão que o produtor pode e deve fazer, tomando a atividade como um bom investimento e aplicar seus conceitos”, dizem os pesquisadores da Embrapa.
Fonte: Portal DBO
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