Francisco Carlos de Souza *
Publicada em 04 de julho de 2017 no site CIO
Um dos assuntos que está na pauta do dia de executivos de todo o mundo é o Blockchain. Citado como a mudança mais significativa desde a chegada da internet comercial, trata-se, basicamente, de um sistema capaz de armazenar registros de operações de forma permanente, descentralizada, em sequência e de modo inviolável.
Mas, enquanto todos os holofotes e expectativas sobre o tema estão no mercado financeiro e bancário, no Brasil, a aposta é que o agronegócio saia na frente, se tornando protagonista ao resolver problemas reais, especialmente em três áreas-chave: (1) gestão em tempo real das transações e do financiamento da cadeia de suprimentos; (2) rastreamento de origem; (3) redução de prazos para obtenção de crédito e diminuição de taxas de transação.
Transações e financiamento agrícolaE, se temos que começar de algum lugar, que tal melhorar a eficiência do barter? Essa operação consiste na utilização da produção futura como moeda de troca para a compra de insumos - o que já representa até 30% das vendas das multinacionais de insumos no Brasil e deve movimentar em torno de US$ 2,5 bilhões nos próximos cinco anos. A transação envolve diversas etapas, entre oferta, pedido e acordo, resultando em uma espera de, no mínimo, 30 dias para finalizar o financiamento de safra.
Para o produtor, a vantagem desta modalidade é fugir dos altos juros (considerando que dinheiro é um dos produtos mais caros no Brasil), e de toda a burocracia de um financiamento via banco, mas a demora para a realização do trâmite pode ter alto impacto na produtividade. Já para as empresas financiadoras, a redução dos prazos impacta diretamente no rendimento, lucratividade e relacionamento com seus públicos de interesse. Por isso, quanto mais vantajoso for o barter, melhor para os envolvidos.
Nesta situação, temos uma cadeia de pessoas ligadas ao problema, em lugares e funções distintas, numa transação que requer informação compartilhada, privacidade e o consenso entre todas as partes. Cenário em que o Blockchain aparece como a grande opção, já que é capaz de diminuir o tempo das operações - a tecnologia permite reduzir o prazo de 30 dias para menos de uma semana -, além de garantir transparência, autenticidade e confiabilidade para agricultores, compradores e financiadores.
Além disso, processos como entrega e pagamento também podem ser agilizados e avalizados. Hoje, o produtor entrega a mercadoria e pode esperar meses para receber. Ao mesmo tempo, a falta de controle impede que se possa rastrear e quantificar as transações, prejudicando a precificação justa para todos os agentes. Tudo isso aumenta as perdas, diminui a competitividade e alavanca riscos de insolvência. O Blockchain pode alterar tudo isso, permitindo que os agricultores sejam pagos em um prazo bem menor, aumentando a concorrência da indústria e possibilitando que compradores economizem tempo e dinheiro, diminuindo riscos e, assim, melhorando os processos de financiamento.
Transparência do processo produtivoA questão da transparência oferecida pelo Blockchain é valiosa para toda a cadeia do agronegócio. Ele pode melhorar essa relação entre empresas e consumidores ao possibilitar a consulta a dados sobre a origem dos produtos e as técnicas utilizadas para criá-los ou cultivá-los, por exemplo.
A tecnologia permite que se identifique e se acompanhe todo o processo de produção. Poderia inclusive, ser uma resposta à crise de confiança no episódio recente da Operação Carne Fraca. Se o processo estivesse baseado em Blockchain, o tracking do processamento da carne e seus derivados facilmente poderia ser rastreado de forma segura, rápida e com confiabilidade: seria muito simples identificar os pontos com problema, em vez de colocar sob suspeita todo um setor da economia.
Um bom exemplo de uso é o que ocorre na empresa australiana FarmShare que já utiliza esse recurso para tornar a cadeia de suprimentos inteiramente transparente e rica para todos os players. Por meio dessa tecnologia, a empresa oferece a possibilidade de rastreamento de informações sobre os alimentos participantes desde sua produção até a chegada ao cliente final, impedindo a manipulação de informações. Assim, produtores, varejistas e consumidores têm acesso às informações altamente relevantes para a determinação do valor da produção, como a utilização de insumos e técnicas de manejo (que, sem uma verificação precisa, agregam custos, são difíceis de ser rastreadas e podem gerar confusão nas gôndolas dos supermercados).
Competitividade para todosOutro ponto importante em que o Blockchain pode contribuir é na redução de prazos para obtenção de crédito e diminuição de taxas de transação. Estes itens impactam nos resultados de todos os envolvidos na produção agrícola, mas são especialmente nocivos para pequenos e médios produtores, graças ao seu menor poder de barganha.
Assim como foi colocado no primeiro item deste texto, a acuidade e o controle das informações oferecidos pelo Blockchain permitem que processos morosos e corruptíveis se tornem infalíveis. No Reino Unido, por exemplo, a startup AgriLedger oferece uma solução baseada na tecnologia que avaliza todos os processos de cooperativas, da obtenção de crédito às operações de compra e vendas dos cooperativados. Com isso, os produtores ganham ferramentas para controlar seus ativos e supervisionar as operações da instituição à qual são filiados.
Todas as soluções apresentadas aqui são iniciativas altamente válidas, mas iniciais. Ao redor do mundo, muitas outras estão surgindo e ainda há muito que se explorar quando se fala em sua aplicação para o mercado agrícola, desde fazendas inteligentes até redes imensas para o controle de ativos e monitoramento da produção. Cada uma combina tecnologias - como SMS, GPS, entre outras - buscando os melhores resultados para um mercado que movimenta a economia do mundo e busca constantemente respostas efetivas e eficientes.
(*) Francisco Carlos de Souza é estrategista digital da CI&T
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