sábado, 2 de janeiro de 2021

Redes Neurais Artificiais aplicadas à Zootecnia

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A Voz da Industria

Dra. Sabrina Coneglian

Especialista em Inovação e Desenvolvimento de Mercado – FEED

Mosaic Fertilizantes

As redes neurais artificiais (RNAs) foram desenvolvidas com intuito de simular matematicamente o comportamento de um neurônio biológico. Sua forma de conhecimento é representada em forma de aprendizagem através da experiência. Constituindo uma das áreas da inteligência artificial, as RNAs são normalmente utilizadas nos problemas em que é necessário algum tipo de aprendizagem.

As redes neurais artificiais são, portanto, um algoritmo computacional de uma rede de neurônios artificiais. Um neurônio artificial é por outro lado um modelo matemático inspirado em um neurônio real (Figura 1). Os neurônios biológicos estão conectados em uma rede complexa e dinâmica. Estas redes biológicas de interconexões apresentam características desejáveis em sistemas artificiais, como por exemplo: exibem capacidade de aprendizado, não precisam ser programadas, possuem capacidade de ação paralela, ou seja, capaz de realizar várias funções ao mesmo tempo, são pequenas, compactas e dissipam pouca potência.  Estas características podem ser desenvolvidas em algoritmos computacionais, utilizando-se de um modelo matemático que leva em conta os conexionismos para lidar com a manipulação de dados, resolvendo problemas complexos.

Figura 1 – Modelo de um neurônio artificial projetado por McCulloc e Pitts  

Para o processo de classificação artificial, faz-se necessário o desenvolvimento de modelos que permitam estabelecer o relacionamento entre a entrada de padrões de classificação (Entradas), análise e processamento dessa informação e convergência para uma saída definida (Saída). A rede neural deve aprender a reconhecer padrões de entrada e definir a saída segundo classes definidas, ou seja, dado um determinado padrão de entrada, escolher em que categoria ele se enquadra melhor (Ramos, 2003).

Fonte: Adaptado de Tatibana & Kaetsu (2011)  

Com o desenvolvimento dos primeiros computadores digitais o pensamento de que se podia desenvolver uma inteligência artificial por meio de operadores lógicos básicos era bastante aceito na época. Em 1958, Frank Rosenblatt propôs o conceito de aprendizagem em redes neurais. O modelo proposto por Rosenblatt, conhecido como perceptrons, era composto de uma estrutura de rede de neurônios MCP (McCulloch-Pitts) e uma regra de aprendizado (Braga et al., 2007). Esse modelo era composto por apenas uma camada e tinha como saída um valor binário (Ludwig Junior & Montgomery, 2007; Haykin, 2001).

O perceptron simples ou de única camada, é um discriminador, por conseguir apenas solucionar problemas cujo os dados são linearmente separáveis no espaço de entrada. Essa limitação desmotivou os estudiosos da época que sabiam da existência de RNAs de múltiplas camadas, mas não sabiam como treiná-las. Esse problema foi apenas solucionado em 1986 com a criação do algoritmo back-propagation (Braga et al., 2007; Haykin, 2001; Mcclellan & Rumelhart, 1987).

Essa inexistência ou desconhecimento de um algoritmo de treinamento de redes neurais de múltiplas camadas foi uma das principais causas pela falta de interesse nos estudos de RNAs da década de 70. Minsky e Pappert publicaram um livro chamado “Perceptrons” onde provaram que RNAs de camada simples (única camada) somente podem resolver problemas linearmente separáveis. Essa publicação causou grande diminuição das pesquisas em redes neurais artificiais e seus financiamentos (Braga et al, 2007; Haykin, 2001).

Figura 2 – Redes neurais com duas camadas escondidas.  

RNAs de múltiplas camadas tem poder computacional e matemático muito maior que redes neurais de camada simples. Com duas camadas escondidas (Figura 2), RNAs de múltiplas camadas podem resolver problemas de classificação linearmente separáveis ou não, podendo ser aproximado por uma rede neural artificial com apenas duas camadas escondidas. O poder de aproximação dependerá da arquitetura da rede e do número de neurônios em cada camada escondia (Braga et al., 2007; Haykin , 2001).

Fonte: Sidney (2011)  

O número de neurônios em uma RNA determina a sua capacidade de generalização, tanto quanto sua qualidade na resolução do problema. A determinação do número de neurônios depende da complexidade do problema, no entanto não existem estudos que provem como deve ser feito essa distribuição de neurônios por camada.

Existem muitas pesquisas que mostram a viabilidade do uso de RNAs para modelar, predizer e classificar dados zootécnicos. Brenneke (2007), usou uma rede neural para a predição de proteína bruta e suas frações usando uma base de dados que incluiu variáveis como tamanho, cor das folhas, média da altura pré-pastejo, latitude e longitude, perfilho novos, perfilho remanescentes, etc. Neste trabalho, a partir de dados externos da planta, foi verificado que a RNA conseguiu estabelecer uma relação entre estas variáveis externas e seu conteúdo de proteína bruta.

As redes neurais também foram usadas com sucesso em estudos aplicados em avicultura como previsão de qualidade de carcaça e avaliação da dieta de frangos de corte para estabelecer padrões que possam relacionar a qualidade do produto com o ambiente de criação e o alimento recebido (Ahmadi et al., 2007; Chen et al., 1998). Em estudos visando à previsão de mastite bovina, as redes neurais artificiais foram usadas como um sistema de diagnóstico precoce baseado em dados de monitoramento diário coletados durante as ordenhas e armazenados em uma base de conhecimento, detectando com antecedência o surgimento da mastite bovina nos animais em estudo (Cavero et al., 2008; Heald et al., 2000).

Na suinocultura também existem pesquisas recentes destacando-se o trabalho de Kevin et al. (2004) que modelaram o odor em função de diversas variáveis do ambiente e assim conseguir atuar na granja no momento certo para controlar o odor exalado. Na bovinocultura as RNAs tem sido usadas em diversos problemas e estudos como modelagem do rumem (Craninx et al., 2008), estimativa de ganho de peso (Arias et al., 2004) e no desenvolvimento de ferramentas que auxiliam e facilitam o trabalho no campo como, por exemplo, a rastreabilidade dos animais por meio de um leitor biométrico do focinho de bovinos que permite distinguir cada animal assim como a impressão digital em humanos. 

No atual estágio de desenvolvimento das RNAs, existe um grande número de aplicações, mas em todas estas existe um fator preponderante e que em momento algum pode ficar de fora do sistema inteligente. Este fator é o especialista, profissionais da área de ciências agrárias, os únicos capazes de fazer com que o poder da inteligência artificial seja usado para melhorar a nossa produção de alimentos de origem animal e, é ele que deve buscar a interdisciplinaridade atuando juntamente em áreas como a instrumentação eletrônica e a computação, para cada vez mais melhorar a forma como resolvemos problemas complexos na área de zootecnia.

Literatura Citada

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BRENNECKE, K. Fracionamento de carboidratos e proteínas e a predição da proteína bruta e suas frações e das fibras em detergentes neutro e ácido de Brachiaria brizantha cv. Mandaru por um arede neural artificial. 2007. 138f. Tese (Mestrado em Zootecnia) – Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos/Universidade de São Paulo, Pirassununga, 2007.

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CHEN, Y.R.; NGUYEN, M.; PARK, B. Neural network with principal component analysis for poultry carcass classification. Journal of Food Process Engineering, v.21, p.351-367, 1998.

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HAYKIN, S. Redes Neurais – Princípios e práticas. Editora Bookman, 2ª edição: 2001, 899p.

HEALD, C.W.; KIM, T.; SISCHO, W.M. et al. A computerized mastitis decision aid using farm – based records: an artificial neural network approach. Journal of Dairy Science, v.83, p.711-720, 2000.

LUIDWIG JUNIOR, O.; MONTGOMERY, E. Redes Neurais – Fundamentos e Aplicações com programas em C: Editora Ciência Moderna, 2007, 125p.

RAMOS, J.P.S. Redes neurais artificiais na classificação de frutos: cenário bidimensional. Ciência e Agrotecnologia. Lavras, v.27, n.2, p.356-362, 2003.