segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Trabalhe bem com piquetes

Por Vera Campos em 08/01/2018 no site Portal DBO



Foi-se o tempo em que o gado se espalhava pelos pastos aleatoriamente, alimentando-se aqui e ali, no conhecido sistema extensivo de pastagem. Nesse modelo, cada vaca necessita de pelo menos meio hectare para se alimentar e ainda corre o risco de não ter à sua disposição todos os nutrientes de que necessita, pois as áreas constantemente pastejadas não conseguem se recuperar a tempo e o capim é consumido assim que rebrota. Dessa forma, essas áreas tendem a se degradar e tornam-se menos produtivas; os solos, pelo pisoteio, acabam se compactando e abrindo espaço para a erosão. Resultado: baixa produção do leite, por causa da má nutrição dos animais e da perda da qualidade do solo.
O sistema de produção intensivo, com a adoção de pastejo rotativo em piquetes, veio mudar esse quadro e melhorar a rentabilidade das propriedades leiteiras, trazendo de quebra a preservação da qualidade do solo e a redução de custos. As áreas de pasto são divididas em piquetes e recebem a forração adequada para a região e o clima. A ideia é que os animais entrem em cada piquete no momento ótimo da forração e lá permaneçam apenas 24 horas (caso de bovinos leiteiros). No dia seguinte, são levados a outro piquete cuja forração se encontra no mesmo estágio ótimo do anterior e assim sucessivamente. Dias depois, quando o ciclo de rebrota da forrageira estiver completo, eles voltam ao primeiro piquete.
“A técnica de pastejo rotacionado é uma das formas mais vantajosas de se colher a forragem produzida, com os animais se alimentando de um capim com qualidade e na quantidade e no momento certo”, afirma Carlos Eduardo Freitas Carvalho, engenheiro agrônomo da Cooperideal – Cooperativa para Inovação e Desenvolvimento da Atividade Leiteira e consultor do sistema Faeg/Senar em Goiás.
No que concorda Marco Aurelio Factori, doutor em Zootectnia e professor de produção e nutrição animal na Unoeste, de Presidente Prudente, SP: “Vacas que produzem leite necessitam de uma dieta adequada e constante de um dia para o outro. A divisão em piquetes não somente favorece a forragem, mas possibilita que o animal possa ingerir um capim de qualidade diariamente. Assim, temos como vantagens o pastejo no momento certo para a forrageira (sem prejudicá-la) e para o animal um capim de qualidade que permite produzir leite da melhor forma possível, com qualidade e regularidade de oferta”.
Outro fator positivo é o aumento da produtividade por área. Diferentemente do método extensivo, em que os animais ficam soltos, no sistema de piquetes o pasto em seu melhor potencial está todo reunido num só espaço e disponível para o rebanho, o que possibilita a maior concentração de animais por hectare (em torno de até 15 cabeças). Pelos ganhos em produtividade e sanidade do rebanho, o método vem ganhando espaço nas criações de Norte a Sul do País, mas demanda atenção, sobretudo em relação ao manejo correto dos piquetes e das forragens neles plantadas “Esse é o ponto de partida para assegurar a eficiência do pastejo rotacionado”, ressalta Patrícia Anchão Oliveira, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, que dispõe de um “manual” com dicas sobre o dimensionamento de piquetes para bovinos em sistemas do tipo. Alguns princípios do modelo são básicos, em que pesem as diferenças climáticas e os tipos de forragens empregadas. Mas é melhor contar com a assistência de um técnico extensionista para instalar o projeto e acompanhar os resultados.
Localização dos piquetes - Esse é o primeiro ponto a ser observado, segundo a pesquisadora da Embrapa. “Quanto mais próxima a área de pastejo estiver da sala de ordenha, tanto melhor”, diz. “O ideal é que ela esteja localizada em posição central em relação aos piquetes.” Como regra básica, para vacas em lactação recomenda-se que a distância entre o piquete mais distante e a sala de ordenha não exceda 500 metros. “Se os animais andarem muito, consumirão energia que poderia ser utilizada para a produção de leite”, explica.
Separação por lotes - É ponto pacífico que vacas em diferentes estágios de crescimento e produção tenham seu próprio sistema de piquetes, a fim de terem supridas suas necessidades específicas de alimentação. O ideal é instalar módulos para novilhas, para vacas secas e para as em fase de pré-parto. “As vacas em lactação, que normalmente são maioria no rebanho, também devem ser divididas: as que estão no pico de lactação (60 a 90 dias após o parto) têm de se manter separadas das que estão num estágio de menor produção e seus piquetes devem ficar o mais próximo possível da sala de ordenha”, aconselha Carlos Eduardo.
Número de piquetes Uma das maiores dúvidas dos criadores é com relação à definição correta do número e tamanho dos piquetes. Este número varia de acordo com o ciclo de crescimento da forrageira utilizada (veja tabela 1), das condições de fertilidade do solo e do clima, conforme segue a equação: Número de piquetes = Período de descanso + 1 Período de ocupação
Período de descanso - O período de descanso é o número de dias em que o piquete fica sem animais pastando, ou seja, é o período em que o pasto se recupera. O período de ocupação é o número de dias em que os animais permanecem pastando em cada piquete. É ponto pacífico entre os técnicos e pesquisadores que o período de ocupação de piquetes por rebanhos leiteiros deve ser de um dia. “Períodos maiores prejudicam o crescimento das plantas, principalmente em áreas de produção mais intensiva. No primeiro dia de pastejo os animais selecionam maior quantidade de folhas e alimentam- -se da parte de melhor qualidade; no segundo dia, a oportunidade de seleção é menor e os animais ingerem a parte do pasto com menos folhas e com menor valor nutritivo e consequentemente produzem menos leite”, comenta Patricia Anchão. Assim, no caso do capim-tanzânia, por exemplo, para período de ocupação de um dia são necessários 32/1 +1 = 33 piquetes.
Formato do piquete - Na avaliação de Marco Aurelio Factori, da Unoeste, os piquetes de sistemas rotacionados devem ser os mais quadrados possíveis. No caso de terem formato retangular, o comprimento não deve exceder em mais que três vezes a largura. “Se o piquete for muito mais longo que largo, os animais tendem a não ir até o fim dele e pastejar apenas no início, o que prejudica a nutrição do animal e consequentemente a produção de leite.” Isso sem falar no gasto maior com cercas.
Tamanho do piquete - Aqui entram cálculos matemáticos e a experiência do criador e/ou do técnico, pois quanto maior o conhecimento do potencial de produção da área, mais correto será o dimensionamento dos piquetes. Entre os fatores que interferem nessa tomada de decisão estão a produção esperada da planta forrageira e o consumo de forragem, que depende da categoria animal, do número de animais e da qualidade da planta forrageira.
Cercando os piquetes - A cerca elétrica é apontada como a melhor opção para cercar e dividir os piquetes, tanto pelo custo reduzido em relação ao valor da cerca convencional, como pela facilidade de instalação, mais rápida e com menor mão de obra. Apenas não é recomendada quando os piquetes estiverem na divisão de propriedades ou à beira de estradas. “Aí, sim, entra a convencional por questões de segurança”, afirma Patrícia. Cerca elétrica atua como “barreira psicológica”, ou seja, os animais aprendem que se tocarem nela levam choque e tendem a não se aproximar. Por isso, apenas um fio com altura ao redor de 70 a 90 cm é o suficiente para conter os animais, enquanto na comum são necessárias ao menos três. Com a cerca elétrica se reduz também a quantidade de mourões. Aqui, a distância entre os mourões ou lascas na cerca elétrica pode chegar a 20 metros.
“A cerca elétrica é simples e acessível. Basta seguir as recomendações do fabricante ou pedir a orientação de um especialista”, diz o professor Marco Aurelio. Ele salienta, no entanto, que todo o cuidado é pouco no caso de instalações elétricas. Por isso, aconselha que se verifiquem periodicamente as condições dos mourões e lascas e se está tudo funcionando. Para melhor rendimento, é recomendável evitar que folhas e galhos e outros materiais encostem nos fios e “roubem” o choque, destaca Carlos Eduardo, da Cooperideal. Outro zelo está no aterramento, que consiste em um número de hastes (galvanizadas) enterradas no solo a uma distância de três metros uma da outra, a uma profundidade de 2 metros.
Área de descanso - Além de piquetes, cada um dos sistemas intensivos deve ter ao menos uma área de descanso com sombra, bebedouro e cocho para sal (caso esse mineral não tenha sido adicionado na ração), distantes a não mais que 500 metros. “Essas áreas ajudam a evitar o estresse térmico, que pode provocar queda na produção de leite e comprometimento da reprodução, com diminuição da taxa de concepção”, alerta Patricia Anchão. Cada vaca deve ter ao menos 10 metros quadrados de sombra. É bom evitar bosques densos e amplos, o que propicia a formação de barro e a ocorrência de mastite. Já o bebedouro e o saleiro não devem ser colocados na sombra, e sim em um local próximo a ela, para evitar a formação de barro, complemente Patrícia.
Corredores - De extrema importância, o planejamento de corredores de acesso e áreas de sombra é fundamental para minimizar um sério problema dos sistemas de pastejo rotacionado, que é a formação de barro, avalia o agrônomo da Cooperideal. A pesquisadora da Embrapa ressalta que eles devem ser feitos em nível, com largura pode variar entre 3 e 6 metros para rebanhos com menos de 50 animais e até 8 metros no caso de rebanhos maiores. “Corredores localizados próximos à sala de ordenha, onde o fluxo de animais é intenso, devem ser mais largos. Já os que levam aos piquetes mais afastados, onde os animais passam esporadicamente, podem ser mais estreitos.” Devem ser livres de pedras e de outros materiais que possam ferir os cascos.
Por causa do pisoteio constante, os corredores precisam ser “reformados” ao menos uma vez por ano, na seca, diz Carlos Eduardo. “É necessário que a altura deles seja um pouco superior à dos piquetes e que tenham o formato ‘abaulado’, a fim de não acumular água de chuva em seu centro.” A construção de mais de um corredor no sistema também ajuda a diminuir problemas, pois os animais utilizarão, em algum momento do pastejo, um corredor alternativo dando assim um descanso à outra área paralela. “Com absoluta certeza, nos sistemas de produção intensiva o pastejo rotacionado é o mais indicado por garantir uniformidade e eficiência de pastejo e possibilitar maiores ganhos na produção”, diz Marco Aurelio.
*Matéria publicada originalmente na edição 84 da revista Mundo do Leite. 

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